Durante o período da antiga união
soviética, havia um fisiologista que se dedicava à condução de experimentos
para verificar diferentes funções nos sistemas circulatório e nervoso. No
entanto, seu foco eram os seres humanos e seus objetivos se centravam no que
aconteceria sob circunstâncias de fome severa, privação de sono e temperaturas
extremas. Seu nome era Pyotr Anokhin, e seu objeto de pesquisa perfeito nasceu
no ano de 1950.
(Google Imagens)
Na fria Moscou em janeiro daquele ano,
Masha e Dasha Krivoshlyopova nasceram por cesárea como gêmeas siamesas. Sua
mãe, tendo acordado da anestesia, recebeu a triste notícia de que suas filhas
haviam morrido de pneumonia pouco tempo após o nascimento. Era uma mentira das
autoridades médicas stalinistas da época, e as bebês haviam sido levadas para o
Instituto Experimental de Medicina a fim de serem submetidas por um time de
fisiologistas de Anokhin a diversos experimentos inconcebíveis na atualidade.
Seis meses depois, o médico fora exilado; mas os experimentos continuaram no
Instituto Acadêmico de Ciências Médicas Pediátricas, para onde elas foram
transferidas.
(Google Imagens)
As gêmeas compartilhavam o mesmo sistema
circulatório, mas o sistema nervoso de ambas era separado. Dessa maneira, os
cientistas se interessaram em como uma reagiria a estímulos fortes no corpo da
outra. Assim, alguns deles consistiam em cobrir uma com gelo enquanto a outra
seria observada, ou coloca-la uma sob calor extremo, estimulá-la de maneira
dolorosa, e até mesmo a injeção de iodo radioativo – além de outras substâncias
tóxicas - para observar a velocidade pela qual a substância se propagaria do
corpo de uma para a outra.
(Google Imagens)
Em um dos experimentos, os cientistas
espetavam agulhas no corpo de uma das gêmeas para verificar as reações da
outra. Elas eram unidas pela coluna vertebral num ângulo de 180 graus, cada uma
comandava uma perna e tinha um par de braços, totalizando duas pernas e quatro
braços, além de uma perna sobressalente de difícil manejo para ambas.
Compartilhavam o mesmo colo e reto, mas tinham intestinos pequenos separados.
Possuíam quatro rins e uma bexiga, junto de um sistema urinário compartilhado.
Cada uma tinha os próprios coração e pulmões, mas o sangue circulante era o
mesmo. Por terem um sistema nervoso separado, uma poderia ficar doente com a
outra estando saudável (na infância, uma delas teve sarampo e a outra não).
Também foram eletrocutadas para testagem
de reflexos condicionais, tiveram tubos inseridos em seus estômagos para medir
os níveis de suco gástrico enquanto uma era alimentada e a outra, deixada com
fome por longos períodos, além da privação de sono que se deu especialmente
durante um período em que ele era essencial, até cerca dos 12 anos de idade.
Enquanto elas estiveram nesse instituto, a Academia de Ciências Médicas da URSS
filmava. Algumas das cenas podem ser encontradas ainda hoje pela internet.
Embora fossem gêmeas e siamesas, os
cientistas logo perceberam que as irmãs tinham personalidades muito diferentes.
Masha era desobediente; enquanto Dasha levantaria a própria perna para um
enfermeiro colocar uma meia num treino de habilidade motora, Masha ignoraria e
até chegaria a jogar a meia para longe de maneira agressiva. Assim, Dasha
aprendeu rapidamente a fazer algumas atividades, mas Masha não se concentrava
por tempo suficiente para realizá-las. Dasha era emotiva e interessada em
interagir com os outros, além de sempre conseguir as melhores notas em testes,
mas Masha não; ela era distraída e procurava evitar contato.
No ano de 1956, elas foram transferidas
para o Instituto Central de Pesquisa Científica Traumatológica e Ortopédica,
onde lhes ensinaram a andar e tiveram uma educação básica. Ainda assim, forma
mantidas cativas e longe do público por mais oito anos antes de se mudarem para
uma escola especializada em crianças com inabilidades motoras no sul da Rússia.
Em 1988, conheceram a jornalista Juliet Butler e se tornaram grandes amigas.
Segundo ela, “Masha era dominante, charmosa, manipulativa e egocêntrica. Dasha
era submissiva, quieta, gentil e pensativa. Elas claramente amavam uma a outra
fortemente. ” Ela disse também que, ao conhece-las, elas não sabiam o que
significada serem coligadas e tinham certeza de que haviam sido unidas
cirurgicamente ao invés de já terem nascido assim.
Foi também nesse ano que elas deixaram
de ser cativas, fazendo a primeira aparição na TV num programa nacional e se
mudaram para um abrigo, onde puderam comprar alguns luxos como uma televisão,
um computador e um Atari, entre outras coisas devido a contribuições de
caridade. Num período de quatro anos entre 1985 e 1989, as irmãs reencontraram
sua mãe biológica. No entanto, Masha quis quebrar qualquer vínculo que pudessem
ter com a mãe e cortaram relações.
Juliet diz que Masha frequentemente
gritava com Dasha, além de atacá-la fisicamente. Enquanto conversavam, era
comum que Masha impedisse a irmã de falar, mentisse e demonstrasse tendências
narcísicas. Mais tarde, ambas tiveram suas personalidades caracterizadas com
traços notadamente psicopáticos (para Marsha) e empáticos (para Dasha). Butler
chegou a escrever diversos livros sobre a vida das gêmeas, tendo convivido com
elas por pelo menos 12 anos. Escreveu também um romance baseado em suas vidas.
Conforme cresciam e se tornavam cada vez
mais independentes, as irmãs de personalidades quase que diametralmente opostas
almejavam vidas também diferentes. Tudo o que Dasha mais queria era uma vida
normal e chegara a se apaixonar por um garoto, mas Masha começara a fumar e
impedia qualquer relacionamento que a irmã pudesse vir a ter. Ela também não
queria ser cirurgicamente separada da irmã, embora houvesse diversas vezes em
que médicos ofereceram a operação. Dasha desenvolveu vício em álcool, mas
apenas ela podia beber. Como compartilhavam o mesmo sangue, ambas seriam
afetadas pelo álcool. Em diversas ocasiões, ela disse que chegou a beber em
excesso na esperança de que Masha, estando bêbada, não seria capaz de abusá-la
verbal e fisicamente.
Algo ocorrido os dezoito anos foi a
tentativa de suicídio de Dasha. Tamanho era o abuso e controle infligido por
sua irmã e a sensação de isolamento, que ela tentara enforcar-se. Sua irmã não
permitia que tivesse cabelos compridos, que usasse maquiagem e queria que suas
roupas fossem sempre pouco “femininas”, o que Dasha detestava mas terminava por
se submeter. Acredita-se também que as gêmeas tinham diferentes orientações
sexuais, pois além das preferências normativas e do romance que Dasha tão
desesperadamente desejava, Juliet comenta que Masha era sempre muito carinhosa
com ela, “enchendo-a de beijos e brincando com sua orelha ao ponto de se tornar
desconfortável”.
Em 17 de abril de 2001, com 53 anos,
Masha teve um ataque cardíaco e veio a falecer. Os médicos disseram para Dasha
que sua irmã estava apenas dormindo, mas uma amiga comentou que com certeza ela
teria percebido o momento em que o coração da irmã havia parado de bater. Sugeriram
que fossem imediatamente separadas por uma cirurgia de emergência, mas ela se
recusou. Dezessete horas depois, Dasha faleceu por toxemia (envenenamento
sanguíneo), pois seu corpo havia sido contaminado pelas toxinas do corpo em
decomposição de Masha. Na época, elas eram as gêmeas siamesas de mais idade
ainda vivas no mundo. Juliet Butler disse: “Dasha sempre sonhou viver em um
mundo onde as pessoas com deficiências visíveis passassem tão despercebidas
quanto aquelas que não as têm. Espero que, ao contar sua história, eu possa
trazer essa sociedade tolerante um pouco mais para perto da realidade”.
Num documentário de 2000, Dasha disse:
“As pessoas nos chamam de duas cabeças. Você escuta todo tipo de besteira, e
isso nos faz chorar”.
O que pensa acerca disso, querido
leitor? É inegável que a história das gêmeas tenha sido marcada por diversos
sofrimentos e provações, mas que fique para nós como um exemplo do que somos
capazes e sinceramente, espero que nada semelhante aconteça outra vez. Também
fica para vocês a reflexão acerca da maneira pela qual nos portamos perante as
pessoas com deficiência física, como era o desejo de Dasha. Compartilhe conosco
as suas experiências e impressões nos comentários!
Escrito por: Milena Câmara
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