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[Capítulo anterior: O Bonewalker]

Depois de ler diversos arquivos, estou começando a ficar um pouco preocupado. Tenho a sensação de que há algum tipo de padrão aqui, mas não consigo definir especificamente qual. Estou particularmente preocupado com as alegações do último paciente, sobre ser eletrocutado e maltratado. Não fazemos terapia de choque aqui.

Terapia eletroconvulsiva é um possível tratamento para depressão aguda, o que, de fato, ele tem... mas não fazemos isso aqui.

Ontem à noite, enquanto lia alguns arquivos, a transcrição de uma garota se destacou. Isso claramente faz parte desse padrão que estou sentindo, mas não estou conseguindo ligar os pontos...
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Esse som...

- Você pode me dar um pouco disso?

Do café.

Por favor é só café.

Me dá o café!

Tudo bem, eu falo – mas é melhor que isso não seja um truque.

Promete?

Por onde você quer que eu comece?

Ok... honestamente, foram as aulas.

Sim, as aulas. Acho absurdo que alguém como eu tenha ido para a faculdade, é realmente por isso que acabei aqui. Minha família não é rica. Aposto que isso não te surpreende. Não estamos aqui ilegalmente, apenas somos novos no país. 

Eu fui a primeira da minha família a entrar em uma boa faculdade. Minha irmã mais velha foi uma inútil durante o ensino médio, enquanto eu, me matei de estudar. Eu imaginava que, depois que eu entrasse, ficaria tudo certo e eu poderia relaxar.

E eu realmente entrei. 

Mas todo mundo naquele lugar parecia tão imaturo, tão estupido. Eles dão festas o tempo todo, mas nunca estudam, nunca fazem as tarefas, nada. Metade deles nem vai às aulas. Eu não conseguia entender. Eles têm alguma noção de quanto custa aquela faculdade?

Eu estava tentando pegar o máximo de disciplinas possível, porque mesmo com as bolsas de estudo que eu consegui, nós tínhamos dinheiro para apenas três anos. Eu precisava me formar em três anos, esse era o plano. Mas depois de três meses de aula meus pais me ligaram. Me disseram que a vó estava doente. A família iria usar o dinheiro para pagar o tratamento. Eu disse tudo bem, ótimo, eu amo a vovó.

Eu fiquei em negação por um tempo. Eu pensei que talvez, se eu conseguisse mais bolsas de estudo, eu conseguiria fazer isso funcionar. Empréstimos para estudante talvez..., mas só de pensar em todos aqueles juros eu me sentia aterrorizada. Meus pais sempre disseram, “Não viemos aqui simplesmente pra viver na pobreza de novo”.

Faltando mais ou menos um mês para o fim do primeiro semestre eu recebi um e-mail sobre uma nova bolsa de estudos. Comecei a pensar que meus problemas haviam acabado – aquela belezinha era integral! Mas o último dia para entrega da dissertação de inscrição era no dia seguinte. Eu pensei: “sem problemas”.

Eu tinha uma prova, quatro aulas e um monte de tarefas de casa, mas eu ia conseguir. Isso era importante. Então eu bebi um monte de café, fiquei acordada até tarde e cai no sono por volta das cinco da manhã. O dia seguinte foi desconfortável, cansativo e eu não fui tão bem quanto eu queria na prova, mas consegui fazer tudo.

Recebi um e-mail em resposta a minha dissertação no mesmo dia. Eles gostaram! Eu estava tão feliz, até ler a parte que dizia que eu tinha apenas passado para a segunda fase. A fase seguinte pedia trinta páginas de uma análise profunda de uma indústria. Trinta páginas! E o prazo final era em alguns dias! Será que todo mundo já estava sabendo disso a meses? Será que os outros candidatos tiveram todo tempo do mundo para fazer esse trabalho?

Como eu já vinha pensando nisso há algum tempo, decidi falar sobre a indústria de empréstimo estudantil. Isso provavelmente foi um erro. Depois de fazer algumas pesquisas, o que eu aprendi foi que eu estaria perdida sem essa bolsa de estudos. Cem mil dólares ou mais durante três ou quatro anos... e sem direitos, sem poder alegar falência, sem proteções... era muito pior que lidar com um agiota.

Me enchi de café. Meu vizinho de dormitório me deu uns comprimidos, mas eu não me senti muito bem com isso, então só deixei eles na minha mochila. Consegui dormir, talvez, durante umas três horas nos dias que seguiram. Lutando para assistir todas as aulas, fazer todas as tarefas, estudar para as provas e fazer esse trabalho gigante. Eu estava ficando acabada, mas alguns dias não iam arruinar minhas notas. Essa bolsa era importante...

Eu estava no meu limite quando finalmente entreguei a porcaria do trabalho de trinta páginas. Esgotada, exausta e fritada numa semana carregada de cafeína e nada sono. Eu dormi muito mal naquela noite, mas a insônia não era nada comparada a dor corporal. Eu acordei com um e-mail me parabenizando por estar entre os cinco candidatos restantes no país inteiro. 

Eu não entendi mais nada. Eles avaliaram todos os trabalhos de trinta paginas de um dia para o outro? Ou talvez quase ninguém conseguiu entregar a tempo? Talvez seja isso, talvez eles só tenham recebido cinco trabalhos, porque ninguém mais teve tempo para isso... e agora eles queriam uma tese em nível de pós-graduação num prazo de duas semanas.

Eu passei o dia atordoada. Eu não conseguia se quer compreender o tamanho do trabalho necessário para conseguir essa bolsa de estudos integral... e estava chegando a época das finais. Eu quase me desfiz em lagrimas, até que me caiu a ficha: eu tenho uma amiga fazendo pós-graduação. 

Falei com a minha amiga e ela concordou em encontrar comigo e me ajudou a ter uma noção do que eu precisava fazer. Ela vinha trabalhando no dela a um ano... Ela demonstrou certo ceticismo em relação a competição pela bolsa. Mas no fim disse, “Melhor mesmo ir atrás disso – você não quer acabar como eu. Eu tenho tantos juros acumulados, eu nunca vou acabar com essas dívidas”. 

Eu lutei para manter a compostura. Então é isso, se eu não conseguir escrever uma tese em duas semanas, minha única alternativa é me afogar em dividas pelo resto da vida? Os comprimidos na minha mochila começaram a fazer sentido. 

Eles fizeram com que fosse quase fácil, na verdade. Eu ia para as aulas, estudava para as finais e trabalhava na minha tese. Eu fiz de tudo, tudo menos dormir. Em meio aos comprimidos e o café eu me sentia horrível, mas eu estava acordada e trabalhando vinte e quatro horas por dia, e só isso importava. Eu precisava daquela bolsa de estudos. Precisava!

Eu achava que conseguiria cumprir o prazo, mas no meio do caminho (depois de uma semana) eu comecei a sentir a energia sumindo do meu corpo. Eu não dormi bem durante uma semana e meia, e não dormi mais nada durante os seis dias que seguiram... e ainda faltava mais uma semana. Eu fui até meu vizinho para pedir mais comprimidos.

Ele estava doente, fungando, e falar com ele me enchia de repulsa. Ele estava... repugnante... cheio de catarro e baba e os olhos dele estavam inchados... Eu peguei os comprimidos e corri dali.

Comecei a dobrar a dose. E depois, triplicar.

Eu alcancei um estágio cinza de meia consciência e energia forçada que me manteve trabalhando em tudo por mais uma semana. Eu sabia que o que eu estava fazendo era perigoso, mas eu precisava. Tudo iria valer a pena. Eu ia ganhar aquela bolsa de estudos, eu sabia disso.

Mas na véspera do prazo eu empaquei.

Eu fiquei encarando aquela tese imensa que eu produzi, faltando apenas algumas páginas para acabar. Justo a parte mais crítica, a conclusão, me fugiu completamente. Eu não conseguia mais formular palavras na minha cabeça. Eu não conseguia pensar nas coisas que eu precisava digitar. Pisquei algumas vezes, tentando por minha cabeça no lugar.

Eu estava na biblioteca com meu laptop. Olhei a minha volta, cansada e confusa. Meu dormitório, a biblioteca e as aulas começaram a parecer um borrão da minha memória, a medida que os meus dias sem dormir começaram a se fundir. Minha própria respiração fatigada roçava e ecoava na minha mente, pelo menos, com isso, eu já havia me acostumado. Mas agora, sozinha na biblioteca, no meio da noite, eu pude ouvir algo mais respirando...

Cuidadosamente guardei minhas coisas sem fazer barulho. Não vi nada de estranho, mas eu tive esse pressentimento que eu precisava sair dali. Dei a volta pelas estantes de livros, tentando não ser vista, mas depois da quarta fileira eu escutei um barulho.

Algo como uma batida molhada e orgânica.

Com os olhos queimando de tanto forçar a visão, eu tentei olhar a minha volta e então eu congelei. Tinha algo na biblioteca comigo? Meus olhos não me davam pista, mas meus ouvidos sim; a medida que ele caminhava no corredor a alguns metros de mim. Olhando pelo canto eu vi uma massa gigante de carne vindo na minha direção.

Observei, petrificada, tentando entender o que era aquilo. Ele tinha membros cobertos por uma pele esticada e flácida, era uma coisa monstruosa que pulsava... eu não sei... era como um saco brilhoso e nojento cheio de carne e órgãos pulsantes, com uma textura nauseante e cabelos em locais aleatórios. 

Meu deus, eu lembro de cada momento encarando aquela coisa. E então ele virou umas protuberâncias brancas e molhadas na minha direção – eu sabia que ele podia me ver. Ele produziu algo como um chiado gorgolejante e veio mais depressa na minha direção.

Eu fugi. 

É, foda-se, eu sou pequena e sai correndo. O que você faria? 

Tinha outro na escadaria. Na pressa, quase esbarrei nele. Aquilo fez um barulho esquisito e agudo, e esticou um dos membros na minha direção. A pele parecia ser esticada por umas veias fibrosas, bombeando um liquido nojento por entre a massa.

Eu fugi de novo.

Eu tinha uma faca comigo, sabe? Eu não sou de um bairro muito amigável. Foi mais ou menos nesse momento que eu soube que precisaria usá-la. Essas criaturas horríveis estavam por toda biblioteca e eu precisava escapar a qualquer custo... precisava terminar minha tese.

Empunhando a faca, eu corri para a porta principal, mas outra criatura estava na porta. Ele gritou quando me viu. O meio dele começou a expandir à medida que puxava fôlego, se preparando para um ataque, sem dúvida. Através das portas de vidro eu pude ver, à distância, um uniforme de segurança do campus. Minha salvação, ou pelo menos ajuda.

Eu cortei a criatura, abrindo um buraco na carne esponjosa. Imediatamente ele derramou vários tipos de líquidos, órgãos pulsantes, vermelhos, azuis e roxos. Eu não pude conter a ânsia e acabei vomitando. Eu nunca tinha visto algo tão nojento. Eu deixei o saco partido de carne no chão e corri até as portas. Eu lembro claramente daquele momento, gritando por ajuda. Aquela figura fardada se aproximou rapidamente... 

E era um deles.

Eu apunhalei esse também. Cortei ele e corri para o meu dormitório.

Eu não tenho certeza do que eu estava pensando. Eu estava completamente acordada e em choque, disso eu tinha certeza. Então eu terminei minha tese e enviei.

Eles chegaram mais ou menos uma hora depois. Eu não lembro, mas, aparentemente, eu estava sentada no quarto, apenas sorrindo. Eu sequer tentei dormir. E o resto você já sabe...

Vocês ficam me dizendo que eu tive um episódio, que eu fritei meus “filtros”, que eu estava apenas vendo os seres humanos como realmente são, sem familiaridade ou senso de reconhecimento... e isso não melhora a situação em nada. Eu ainda vejo tecidos pulsantes, veias fibrosas, órgãos tremulantes, tudo num saco de carne, quando me olho no espelho.

Você! 

Você, fique atrás desse espelho. Me mantenha isolada. Eu ainda estou doente? E se eu nunca melhorar? Deixe minha família longe de mim, deixe a vovó longe... eu não aguentaria vê-los assim. Meu deus... Eu estou muito cansada...

Onde esta o café? 

Você prometeu! 

Eu consigo ouvir você bebendo ai atrás!

ME DÊ O CAFÉ!
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Lendo a transcrição dessa pobre garota, eu tive um flash de memória. Ela é uma admissão recente. Corri até a sala onde guardamos o que vem no correio e olhei o triturador de papel. Eu pensei ter visto algo... E estava lá.

Alguém mandou uma carta para ela, no endereço daqui. A carta chegou antes dela. A enfermeira que cuida disso estava doente e, por acaso, eu acabei pegando a correspondência nesse dia. Na época, a carta não fez sentido pra mim, mas agora...

- Parabéns, diziam os pedaços. Você está entre os três candidatos restantes! Para passar para a próxima fase, por favor, envie em até três semanas um artigo de quatro mil –

O resto da carta estava rasgada de forma que se tornou indecifrável. Eu não consegui achar o envelope, qualquer nome ou informação de contato entre as pilhas de papel rasgado. Não importa, isso é suficiente. Algo está acontecendo e isso é prova suficiente para começar algum tipo de investigação.

O diretor médico ao ler os pedaços de papel se inclinou na sua grande cadeira de couro e disse

- Interessante... Isso realmente bate com a história que você contou...
- Eu acho que algo maior esta acontecendo aqui.

Ele respondeu sério.

- E qual o problema?
- Há mais na história a se considerar além de ela estar louca. Isso não requer uma investigação?

- Ela ainda vê pessoas como monstros, ainda empalou um segurança e um aluno. Certo, alguém fez uma pegadinha com esse negócio de bolsa de estudos. Ainda assim, foi ela quem decidiu não dormir por semanas e provocar um dano cerebral a si mesma.
- Por que isso não te incomoda?! Isto é algo! Na melhor das hipóteses, vamos expor algum tipo de bolsa de estudos fraudulenta e perigosa.

- Isso não é trabalho nosso.

Subitamente me ocorreu que ele não faria nada pra ajudar ou, sequer, iniciar uma investigação. Eu menti graciosamente.

- É, acho que você tem razão, desculpe.

Ele sorriu de volta. Ele gostava de estar certo.

Quando eu estava saindo ele disse uma ultima coisa.

- Eu vi em alguns relatórios que você está desenvolvendo um comportamento estranho também. Lendo arquivos até tarde da noite, esse tipo de coisa. Não se aproxime demais dos pacientes. Não admita que suas histórias são algo além de criações de mentes obsessivas.

- Por quê? Tem medo que loucura seja contagiosa?

De forma ríspida, ele apertou sua mandíbula e se manteve em silêncio. Estou convencido que algo mais está acontecendo, não apenas com esta última garota, mas com os outros pacientes também... e eu estou começando a me perguntar se nós temos alguma relação com isso...

[Atualização: Agora estou certo de que estamos envolvidos em algo muito sombrio]

[Próximo capítulo: A Friend Zone]

Tradução Livre Por: Alicia 

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