Confira aqui a Primeira Parte
- Will?
Está tudo bem? - Lilith perguntou, preocupada.
- Está
sim. Por favor, continue.
- Claro.
Lembro-me de termos corrido atrás dele e, quando demos conta, já estávamos no
interior da mata, perdidas, sem saber o caminho de casa. Eu queria que nós
permanecêssemos juntas, mas minha irmã insistiu que deveríamos nos dividir. Ela
foi para a direita, e eu para a esquerda, para procurar alguém que pudesse nos
ajudar. Ficamos divididas por muito tempo, e não sei mais onde ela está. Então
corri nessa direção - ela apontou com o dedo indicador para a Lua. Ela brilhava
majestosamente sobre o lago. - A direção que a Lua estava. Então percebi que a
floresta terminava, e encontrei você.
William
balançou afirmativamente a cabeça, pensativo. Seu cenho estava franzido.
- Então
não faz ideia de onde a sua irmã possa estar?
Lilith
abraçou mais forte os braços, e estremeceu.
- Não -
Ela disse, com a voz embargada, abaixando a cabeça.
- Qual o
nome da sua irmã? - Ele perguntou, delicadamente, colocando a mão por sobre o
ombro da jovem.
-
Nahemah - Uma lágrima escorreu pela sua face.
-
Acalme-se Lilith, vamos encontrar Nahemah. - William pousou a mão no rosto
dela, enxugando a lágrima e levantando-o, para poder ver seus olhos. Lilith
fixou o olhar no dele, um olhar lacrimoso - Nós vamos encontrá-la.
Ela
sorriu timidamente por um instante, então soltou os braços e os envolveu pelo
pescoço de William. Comovido, ele a abraçou também.
- Espero
que a encontremos viva - Ela chorou, umedecendo a roupa de Will.
- Mas o
que é isso? É claro que vamos encontrá-la viva!
Ela o
abraçou mais forte, soluços escapavam-lhe pela garganta.
- Venha,
vamos procurá-la. - Ele a soltou delicadamente, e a conduziu, com a palma da
mão pousada nas suas costas.
Eles
caminharam até a árvore mais próxima que delimitava o início da floresta. Ele a
deixou entrar primeiro. O vento rugiu, e soprou forte a barra da saia de
Lilith, levantando-a na altura dos joelhos e revelando uma pequena cicatriz;
uma cicatriz na perna esquerda.
Ao notar
esse detalhe, Will arregalou os olhos e sentiu o ar escapar-lhe dos pulmões.
- Isso é
loucura - Ele sussurrou para si mesmo, incrédulo.
- O quê?
- Perguntou Lilith, que já havia entrado na floresta, voltando-se para ele - O
que você disse?
- Não,
nada - William tentou disfarçar, tentou levantar seu olhar para o de Lilith,
mas seus olhos não respondiam ao comando. Estavam cravados na cicatriz.
Percebendo
a expressão assustada de William, Lilith seguiu a linha do olhar dele e viu que
terminava na sua perna esquerda, na sua cicatriz. Ela levantou os olhos para o
rosto de Will, que finalmente conseguira olhar para o dela. Parecia que uma
máscara fora colocada no rosto de Lilith, uma máscara de ódio e fúria. Sua
pele, antes pálida, havia ficado vermelha pela cólera. Seu rosto, antes
delicado, ficara com traços atormentadores; veias projetavam-se para fora,
azuladas e arroxeadas. Era como se fosse possível ver - e sentir - o ódio
emanado do interior daquela pequena jovem. Os olhos eram uma prova de que
aquilo não era normal.
Sua
íris, negra, dilatou-se. Era como se pingos de tinta houvessem sido jogados em
seus olhos e dado cor a ele. Seus olhos estavam, literal e completamente,
negros.
Lilith
virou-se bruscamente e correu para o interior da floresta. William não queria
ir atrás, queria correr para o lado oposto, mas algo o atraiu; ele queria
segui-la. Então Will correu o mais rápido que pôde atrás dela. Sempre em linha
reta, na direção do centro da floresta. Ele não viu um galho seco caído na
grama e acabou tropeçando. Pela velocidade com que corria, ele não só caiu
longe como também rolou pela terra para ainda mais longe. Assustado, se ergueu,
e sentiu como se tivesse sido acordado de um transe.
Não
sabia onde estava, nem o que faria em seguida. Lembrava-se de apenas uma coisa:
os olhos negros de Lilith. Aquilo o atormentaria para o resto de sua vida. Ele
sentou-se e se recostou no tronco de uma árvore velha, acomodando-se entre as
raízes que escapavam para fora da terra. Uniu as pernas para perto de si e as
abraçou, como uma criança faz quando fica assustada. Will fechou os olhos,
enterrou a cabeça nos braços que abraçavam suas pernas e suspirou, longa e
demoradamente.
Ficou
quieto por um instante, pensando no que faria em seguida, quando ouviu passos.
Distantes, mas rápidos, indo em sua direção. Ele abriu rapidamente os olhos e
olhou em volta. Não havia ninguém ali além dele, e os passos ainda estavam
longe. Então ele correu para o lado oposto ao dos passos. Ele correu, e correu,
até perceber que, de tão distante, os passos estavam inaudíveis. Ele sentia
medo, queria gritar e socar alguma árvore, mas conteve-se.
Mantenha
a calma, disse a si mesmo, mantenha a calma, William, e tudo sairá bem.
Os
passos voltaram.
Agora,
eram dois pares de pés que corriam; um em cada direção. Ele não tinha para onde
ir.
-
William! - Era a voz aveludada de Lilith, parecia alegre. Alegre demais para
ser algo bom - Encontrei minha irmã! Will, graças à sua ajuda! Onde está você?
- Will!
- Agora era outra voz, mais grave, mas ainda assim suave - Você ajudou a minha
irmã, quero lhe agradecer! Diga-me onde você está para que eu possa
agradecê-lo!
Risos
sombrios ecoaram pela floresta.
- Eu...
- Will resolveu falar, mas as palavras não saíram tão facilmente - Eu vi você,
Lilith. Você... Você não é humana!
- Então
descobriu? - A voz estava agora atrás de William. Ele virou-se, e viu uma
garota diferente de Lilith. Tinha o cabelo quase no mesmo comprimento,
ligeiramente mais curto. Era coberto por cachos vermelhos que rodeavam um rosto
pálido dotado de belos olhos verdes, encantadores. Will os teria achado lindos,
se logo depois não tivessem se tornado negros. A pupila dilatou-se, e cobriu
todo o globo ocular da garota. Seu nome era Nahemah. Ela estendeu a mão e
tentou agarrá-lo com os dedos - dedos não, garras. Os dedos pareciam ter crescido
e afinado. As unhas, inexplicavelmente mais longas e pontiagudas, cortantes e
perfurantes; mortais.
Ele deu
um passo para trás e esbarrou em alguém. Virando-se, viu Lilith, sorrindo. O
vestido estava agora rasgado na barra até os joelhos. As luvas de renda,
perfuradas na área dos dedos; eles também haviam crescido, como os de Nahemah.
-
"Deus - Ela recitou - criou o homem à sua imagem e semelhança; criou-o à
imagem de Deus, criou o homem e a mulher. O Senhor Deus disse: 'Não é bom que o
homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada.' E da costela que
tinha tomado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher, e levou-a para junto do
homem." - Ela se aproximou de William, que recuou, mas parou ao sentir as
garras de Nahemah em seus ombros, segurando-o. - "Disse então o homem:
Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada
mulher, porque do homem foi tirada."
Will
reconheceu essa citação. Ela estava na Bíblia, em Gênesis. Mas o que Lilith
quereria dizer com isso?
-
"E as feras do deserto se encontrarão com hienas; - Agora foi a vez de
Nahemah falar - e o sátiro clamará ao seu companheiro; e Lilith pousará ali, e
achará lugar de repouso para si."
Ao
término da frase, Lilith ergueu a mão e mostrou suas garras para William. Ele
ouviu o barulho de tecido sendo rasgado, e enormes asas negras abriram-se atrás
do corpo de Lilith. Eram asas de morcego, asas de demônio. Seus olhos estavam
negros, e sua pele, mortiça. Ela sorriu e, com violência, enterrou sua mão no
peito de William. O sangue jorrou, manchando de vermelho o tecido branco de seu
vestido. Ele, incrédulo, sentiu o líquido quente subir pela garganta e escorrer
pelos seus lábios entreabertos, trêmulos, manchando-os de vermelho também.
Sentiu seus ossos torácicos se quebrarem e pôde ouvi-los se partindo.
O gosto
do sangue tomou conta da sua boca e ele o cuspiu com dificuldade. Lilith fechou
a mão, e Will sentiu-a agarrar o seu coração ainda pulsante. A dor foi imensa.
Então, velozmente e com força, ela puxou sua mão para si, levando junto o
coração de William. Ele sentiu suas artérias e veias se romperem, o sangue
jorrar dentro de sua carne e o caminho sendo aberto para a mão de Lilith sair,
levando consigo o seu coração.
Ela
ergueu a mão e a mostrou para William: a luva negra de renda, agora encoberta
por sangue, segurava o coração, ainda sangrando, de Will. Ele sentiu o espaço a
sua volta escurecer. Tentou resistir, mas a dor tomava conta. Agora tudo
passaria, ele morreria, a dor iria embora. Então a escuridão o dominou, Will
fechou os olhos para nunca mais abri-los novamente. Nahemah jogou o seu corpo
inerte para o lado, com desprezo.
- Menos
um - Ela sorriu para Lilith, a Rainha das Succubus.
- Pena
que ele me descobriu antes de chegarmos à parte boa... - Ela passou lentamente
sua língua macia em seus lábios vermelhos, revelando um pequeno sorriso
malicioso - na parte mais prazerosa.
- Bom,
pelo menos isso - Nahemah apontou com o polegar a enorme poça de sangue que se
formara na carcaça de William - foi divertido.
Lilith
abriu um enorme sorriso.
- Isso é
verdade.
Nahemah
estava com um vestido vermelho que chegava até um pouco acima dos joelhos.
Lilith usava o vestido branco, manchado de vermelho pelo sangue, e também
rasgado na altura de seus joelhos. Ambas estavam descalças. Nahemah recurvou um
pouco a coluna e dela saiu um par de asas negras. Asas de morcego, iguais às de
Lilith, mas ligeiramente menores.
As duas
abriram suas asas e, com um leve impulso, voaram para longe. Pelo céu negro,
enquanto planava no ar, uma luz azul escuro tomou conta do corpo de Lilith. Ao
deixá-lo, ela já não estava mais lá; somente um corvo. Um corvo negro voando ao
lado de Nahemah pelo céu escuro, repleto de estrelas, iluminado pela luz
prateada da Lua. O corvo com a cicatriz na perna esquerda.
Escrito por: Milena Câmara
De: Não Entre Aqui
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