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(Origem da Imagem: Google Imagens)

[Tenha a certeza de ter lido o capítulo anterior "Friendzone" antes de ler este capítulo]
[Capítulo inicial]

Qual a origem da insanidade? 

Recentemente, eu tenho contemplado essa questão de uma forma muito profunda. Me pego, às vezes, parado no corredor, pensando no sol, o qual não tenho visto há muitos dias. Tenho passado todo meu tempo lendo transcrições e documentações financeiras. Não consigo determinar aonde esse caos de empresas fictícias e ficções jurídicas vai me levar.

Se eu saísse e aproveitasse o brilho terapêutico do sol; se eu, talvez, caminhasse desprotegido em meio ao vento gelado, apenas para me sentir banhado pela brisa; uma vez que eu voltasse, como saberia que minha experiencia do lado de dentro é real?

A única coisa nos provando que o resto das nossas vidas existem são... memórias. Se você não puder confiar nas suas memorias, em que vai confiar? Muito curioso como toda a estrutura da realidade de alguém consiste em apenas numa série de falácias mutáveis.

Talvez seja este o caso destas pessoas. Eles não estão doentes num nível orgânico. Na verdade, estão todos aqui, operantes, pensando..., porém, suas realidades se tornaram obscuras e dolorosas.

Menos um... Uma história não se encaixa.

Depois de terminar meus afazeres, fui diretamente até ele.

Tentei usar o tom calmo e severo que vim praticando. “Você esqueceu de algo”. 

Ele suspirou e olhou para mim sem dizer nada. O desespero nos olhos daquele homem era de partir o coração.

“Eu li seu relato, no seu arquivo”, eu continuei, tentando transmitir compaixão e urgência na minha fala. “Tem algo faltando na sua história”. 

Ele baixou o cenho levemente. “Como você sabe?”

Pensei no padrão que o resto dos pacientes seguia e em como o dele não se encaixava. “Não é importante. Estou aqui porque me importo, e acho que há algo maior que nós acontecendo. Eu preciso saber o resto da sua história”. 

Ele franziu todo o rosto. Pensei que ele estava sorrindo..., mas então ele começou a soluçar, lágrimas desciam pelo rosto do pobre homem. “Você acredita em mim? Deus, por favor me diga que acredita em mim”. 

Eu estava ciente do que meu mentor – e até mesmo o diretor médico – havia me dito sobre como eu via as ideias dos pacientes..., mas eu precisava saber. “Sim, eu acredito em você”.

Ele soluçou com mais intensidade e se curvou num profundo alívio. “Eu conto, eu conto...”

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Eu menti sobre o que aconteceu. Eu não estava andando na rua.

O que? Um cara aleatório me suja de sangue e o Bonewalker surge do nada? Não.

Fui eu. Eu fui atrás dele.

Minha vida já estava toda no caminho errado. Eu não era ninguém. Ignorado por todos. Era só um cara, sem diploma, nada no meu nome, sem família, já não tinha contato com mais ninguém. Eu me senti deixado de lado pelo mundo. As pessoas tinham medo de mim, pareciam incapazes de me dar um trabalho, só porque eu tenho passagem...

Não pense que eu não notava quando eles tentavam desviar de mim, manter distância sempre que me viam andando na rua a noite...

Era viciado em drogas, mas não aquelas paradas suicidas, ainda não. Eu andava, quase sempre, na parte mais barra pesada da cidade. Era o único lugar que me aceitava.

Tinha drogas, sim... brutalidade, também. Tudo o que você imaginar... Orgias até, mas você não iria querer participar dessas, acredite.

Essas pessoas... Elas tinham algo desesperador dentro de si. Estava no ar, e todos sabiam disso. Para quem estava ali, nada mais importava...

O Bonewalker era um boato entre eles. Tinham alguns usuários que não precisavam trabalhar, não precisavam criar a fachada de uma vida normal. Eles tinham um suporte, um reforço.

Qualquer um que foi marginalizado, em algum momento, chega nesse ponto, quando tudo o que você tinha no começo: o dinheiro, a vontade, o resquício de vida, tudo se foi. Eu cheguei nesse ponto e recorri àquela coisa. 

Não era pelas drogas. Na verdade, eu já estava quase limpo naquela época. Era pelo poder. As pessoas se comunicavam comigo. Fode comigo, você morre. Tudo o que eu tenho que fazer é sujar suas unhas ou os dentes com aquele sangue especial e meu reforço te fatia de dentro pra fora.

Eu gostava de fazer aquilo, sabe? Ele nos tratava como bichinhos de estimação. O dinheiro era ótimo também. Eu odiava que ele sempre tinha que me cortar pra sair, sim, mas são os ossos do oficio.

E então..., as coisas começaram a ficar mais sérias, e eu percebi que eu era mais um escravo do que um bichinho de estimação. Algumas das coisas que ele me forçou a fazer eram... Deus, eu tenho pesadelos com isso... No começo, eu não tinha uma visão geral da coisa, não compreendia.

Deixamos que tudo aquilo nos subisse a cabeça porque não tínhamos a quem recorrer. Quando você tem passagem pela polícia, quando você mora na rua, acabou pra você... e o Bonewalker tirava vantagem disso. Ele tinha recrutas mais do que suficientes para criar uma rede, um exército. Foram necessárias muitas conversas sussurradas com outros escravos até que entendêssemos que fazíamos parte de algo muito mais perturbador que apenas nossas vidinhas infernais... e nosso mestre não era nada comparado aos outros.

Nós éramos os mocinhos, lutando pelo bem custe o que custasse. Consegue imaginar isso? Só não era bom para nós, porque tanto a sociedade quanto o Bonewalker nos viam como descartáveis...

Sabe por que estou nessa cama? Por que estou tão deprimido? Pense um pouco. Se eu tivesse medo de morrer a qualquer momento, eu iria curtir. Eu não ficaria aqui sentado, nesse quarto, sozinho... não, seria exatamente o contrário.

O Bonewalker está morto, cara. Ele não vai voltar. Aquele idiota matou ele!

Eu fantasiei sobre isso, algumas vezes... Esmaga-lo no meio de vários ossos triturados. Ele ficaria perdido no meio deles, não saberia como sair, e acabaria estraçalhado no meio do amontoado... Grandes mentes tendem a pensar igual, não? Mas quando eu percebi o que está acontecendo, fiquei feliz que –

“O que?” perguntei, interrompendo. “O que está acontecendo?”

“Quer dizer que você não...?” ele congelou, me encarando com olhos trêmulos. Suas pupilas se moveram vagarosamente para a esquerda, formando um olhar de apreensão e assombro. “Eu já disse demais, desculpe”.

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Ele voltou a encarar a parede, ignorando minhas seguintes tentativas de motiva-lo a falar.

De início, fiquei irritado por ele não ter me dito o que está acontecendo... mas, então, pensei melhor. Por um momento eu realmente acreditei nele. Deixei que sua história se tornasse real para mim. Estava arriscando demais minha própria sanidade.

Não, o Bonewalker não poderia ser real... no entanto, o vício deste homem era. O bairro hostil, os crimes, tudo, isso é o núcleo de verdade que tomarei de sua história. Um vislumbre de algo mais amplo, um ar de desespero...

...e de escolhas ruins.

Ele se encaixava no padrão agora.

Ao sair da sala, parei no corredor e o observei de um canto a outro. Cada porta aprisionava um paciente, cada um escolhendo um caminho de loucura e desespero. Suas vontades, desejos levados ao extremo, arruinando suas vidas. Eu não sabia disso, não ainda, mas aquilo foi um grande sinal de alerta.

Na verdade... eu andei até o final do corredor, cumprimentei a Mabel quando ela passou por mim – felizmente sem sequelas do dia anterior – e parei em frente a uma porta que ainda não tinha testado.

Observei pelo vidro quadrado da porta. Permitiram que usasse papel e caneta devido ao bom comportamento. Ela escrevia bastante. Encolhida num canto, ela continuava a escrever. Ela era um dos poucos pacientes que não tinham história, nenhum depoimento.

Por questão de educação, eu bati.

“Entre.” ela disse; e continuou a escrever enquanto entrei.

“Olá,” comecei. “Eu sou – “

“Você conhece o procedimento.” Ela respondeu sem parar de escrever.

Eu hesitei. “Você pode... colocar a caneta de lado?”

“Eu nunca machuquei ninguém e não pretendo começar agora.”

Aceitei seu argumento, mas ainda estava apreensivo. Me ajoelhei. Ela levantou as mãos e sentiu minhas têmporas, e depois a nuca.

“Desculpa,” ela suspirou desapontada. “Não posso falar com você.”

“Você tem certeza? Eu quero ajudar. Acho que tem algo acontecendo neste lugar.”

Ela não respondeu e continuou rabiscando.

“Posso pelo menos ver o que você está escrevendo?”

Ela me ignorou.

Peguei os papeis, olhei alguns. Não eram apenas palavras soltas, não exatamente. Cada parágrafo seguia um fluxo de pensamento, com uma caligrafia esforçada e alguns erros estranhos.

Balancei minha mão em frente ao rosto dela, e ainda assim não houve reação. Minha ficha caiu. “Você é... cega?”

Ela inspirou profundamente pelo nariz e soltou um suspiro. Aparentemente seria minha resposta. 

“Ok, me ignore.” Eu disse a ela. “Mas pelo menos me diga: por que está escrevendo isso tudo, se você não pode ler? Para que é tudo isso?”

Ela me deu uma única palavra. “Prática”.

Sua resposta era simples, porém profunda. A deixei em paz, enquanto contemplei qual poderia ser sua história. Se ela sabe escrever, e ela estava praticando, significa que ela pôde ver algum dia... Ela nem sempre foi cega.

O que isso queria dizer? Será que ela, de algum jeito, passou de uma menina normal para uma paciente cega, confusa, que se recusa a falar com qualquer um que não passe no seu inexplicável ritual? Pareceu meio injusto, naquele momento, que uma vida normal poderia sair tanto dos trilhos. Todas aquelas pessoas foram normais algum dia – mais ou menos, digo – e fizeram escolhas ruins suficientes para acabar aqui.

Havia outro paciente cego e sem relato. Ele tinha uma transcrição, mas o arquivo foi destruído ou perdido. Passei por diversos conjuntos de portas, chegando até a ala mais distante. Eles o mantinham bem no fim.

Eu o observei. Há muito tempo, ele perfurou os próprios olhos com uma caneta. Ele estava sentado, de olhos fechados, no canto extremo esquerdo de sua cela. Eu não conseguia imaginar quão intenso deveria ser o tédio – ele recusou qualquer eletrônico, ele se tornava violento perto destes aparelhos. Uma televisão, ou mesmo um rádio, poderiam amenizar esse mundo escuro e solitário... Eu, honestamente, não conseguiria me imaginar passando todos os meus dias sentado, pensando, preso na minha própria mente.

Eu vi um pequeno pedaço branco aparecendo por baixo de sua perna.

Eu corri pelos corredores, minha mente repentinamente tomada por um palpite. “Mabel!”

Ele parou e se virou em minha direção. “Obrigada por ontem,” ela disse. “Meu marido ficaria perdido se algo acontecesse comigo. Bobinho.” Ela sorriu.

“Claro!” eu quase disse, mas hesitei. Lembrei que eu e aquele homem sem membros dissemos a mesma coisa para Claire. Senti certa aversão por esta palavra. “Hum, de nada. Mabel, você..., ou talvez alguma das enfermeiras, estão levando papeis de um paciente para outro?”

“Como está sua mão?” ela perguntou, certamente nervosa.

Eu olhei para o curativo. “Está bem. Mas sobre os papeis...”

Ela fez uma expressão frustrada. “Eles parecem gostar de escrever um para o outro. Ele só ficava sentado lá... sozinho. Fiquei com pena dele. Eu não queria fazer mal a ninguém.”

“Está tudo bem,” eu disse a ela. “Não estou querendo te dar problemas. Você sabe sobre o que eles estão escrevendo?”

Ela explicou que algumas partes ela leu, só pra garantir – ela disse que não iria passar ameaças de morte ou algo do tipo. Quando entendi, voltei correndo para o final da ala.

“Eu consigo te ouvir.” Ele falou através da porta.

Franzi o cenho, vi ele se mover sutilmente para esconder os papeis nos quais estava sentado. Entrei um pouco depois, deixando ele pensar que eu não sabia de nada.

Eu imaginei como ele fazia para ler as cartas, mas acabei percebendo que ele provavelmente sentia as marcas da caneta no papel, como se estivesse entalhado. Interessante... Eu parei no meio do cômodo, dando espaço a ele.

Mesmo cego, ele se esforçou para ‘olhar’ na minha direção. “Você não é como os outros, você sabe.”

“O que quer dizer?”

Ele franziu a testa e me deu um sorriso fraco. “Você não anda como eles.”

Ele estava certo. Eu adquiri uma passada mais rápida recentemente, com mais energia e preocupação. O resto da equipe via essa caminhada pelos corredores como uma atividade de lazer – era apenas um trabalho para eles. Para mim, isso vem se tornando algo mais.

“Você está disposto a me contar sua história?” eu perguntei, sentando mais próximo dele.

Ele abriu um largo sorriso, com um ar fúnebre. “Não tem sentido”

“Me conte mesmo assim”

“Você tem um telefone?” ele perguntou

Eu balancei a cabeça, e só depois percebi que ele não teria como ver o movimento. “Não, poderia interferir na aparelhagem médica”.

“Um pager?”

Olhei para o meu cinto. “Não”. Menti.

“Bom, bom...” Ele falou em voz alta. “Vem tendo dores de cabeça recentemente?”

Eu pisquei um pouco. Eu estava tendo, sim, na verdade. Eu vinha dormindo pouco, e quando conseguia, dormia muito mal. Ironicamente, a sala de descanso médico não era o lugar ideal para se tirar um cochilo, e ela tem sido o centro das minhas atividades... extracurriculares. Eu liguei as dores de cabeça ao cansaço, então apenas tenho tomado crescentes doses de analgésicos...

”Não, sem dores de cabeça”. Menti.

“Oh”. Ele pareceu vagamente desapontado. Há muito tempo eu percebi que esquizofrênicos paranoicos como ele gostavam de adivinhar coisas, alguns pequenos detalhes. Isso insinuava que eles possuíam um grande conhecimento misterioso, por isso, não gostavam nem um pouco quando erravam.

“Certo,” ele disse depois de um tempo. “Eu não tenho nada melhor para fazer. Depois disso você vai me deixar em paz?”

“Sim”.

“Tudo bem..., mas talvez você não goste do que vai ouvir”.

“Ótimo. Eu tenho a sensação que algo está acontecendo e eu já não estou gostando disso”. Seu rosto pareceu se iluminar. “Mesmo?...”

Isso aconteceu num domingo. Me lembro claramente. Algo...

...

Algo aconteceu antes que eu pudesse terminar de redigir os eventos do dia.

Fui banhado, de repente, por uma onda de escuridão quando estava na sala de descanso digitando a história que o último paciente havia me contado. Sob a luz da tela do meu laptop eu chequei a linha telefônica – sem toque. O zumbido constante do sistema de ar do prédio havia sumido, deixando o ambiente ser tomado por um silêncio mortal.

Eu me esgueirei até a porta e olhei o corredor. Escuridão dominava o cômodo por entre as piscantes luzes vermelhas de emergência. Na outra ponta do corredor, por entre os flashes avermelhados, eu vi algo que me gelou o sangue.

A porta de um dos pacientes se abriu vagarosamente, com muito cuidado, como se a pessoa por trás dela mal pudesse acreditar que estava destrancada. Eu também não estava acreditando. Eu só falei pessoalmente com os pacientes mais dóceis, porem muitos deles eram extremamente perigosos.

Lutando contra uma súbita dor de cabeça intensa, pisquei continuamente, tentando compreender quem havia escapado. Sua silhueta tomava contraste enquanto ele se movia em meio a sombra e vermelho, olhando um lado e outro do corredor. Ele não conseguia me ver, tomado pela escuridão da sala, mas eu podia vê-lo... Eu sabia quem era ele. Não era muito perigoso.

Ao lado dele, outra porta se abriu... e então outra. Me ocorreu que o corte de energia não era um acidente e que alguém havia destrancado todas as portas.

Um a um, eles mergulharam na sombra escarlate, liberando seus feromônios de insanidade pelos corredores. Eu pude escutar alguns murmurando, alguns gritando, alguns procurando por armas, alguns procurando pela... equipe!

Eu pensei em trancar a porta e me esconder, mas eles certamente iriam checar a sala de descanso. Eu não podia ficar ali.

Com o coração na garganta, eu tirei meu jaleco branco e mergulhei na escuridão entre as luzes de emergência. Eles conseguiam ver minha silhueta contra o vermelho? Eu os via caminhando sem rumo, como animais curiosos, se espalhando pelos corredores. Eu me encostei numa parede e alguns passaram por mim, sussurrando obscenidades e se contorcendo num tique nervoso.

Minha dor forte se transformou numa dor fisgada de repente, e eu quase gemi de dor, mas segurei minha própria voz, me forçando a ficar em silêncio. As piscantes luzes vermelhas e a escuridão eram intensas demais para os meus olhos, o que intensificava a dor de cabeça.

Eu estava a apenas alguns metros. Tentei ir cambaleando até a saída lateral para fugir. Não havia mais nada que eu pudesse fazer, se não escapar e chamar alguém.

Estava trancada.

Ela deveria estar trancada? Droga... Droga... Eu lutei para respirar entre a dor pulsante na minha cabeça e meu coração cheio de adrenalina.

Eu tinha pouco espaço para manobra. Pacientes se moviam a poucos metros de mim, na escuridão. Um deles parou sob uma luz de emergência, seu corpo tinha cor de sangue – e alguém o apunhalou, fazendo jorrar um liquido preto por debaixo de sua clavícula. Ele gritou e eu pude sentir toda as atenções se voltando para aquela área.

O som da carne caindo veio, junto com gritos contínuos, e algo molhado se espalhando pelo chão. O paciente corpulento, que fez aquela obra preta e vermelha, olhou diretamente para mim através da escuridão. Meu reflexo foi correr para o quarto de um dos pacientes e fechar a porta, com cuidado, atrás de mim.

“Por favor, não me machuque!” Uma garota sussurrou no canto do quarto.

“Eu não vou.” Eu sussurrei de volta, aliviado. “Eu sou da equipe.”

“Meu deus, meu deus, o que está acontecendo?” Ela disse ofegante.

A pouca luz que passava pela fresta da porta a iluminava apenas o suficiente para ver o contorno de sua silhueta encolhida no canto. Ela era magrinha... esquelética, não era algo muito bonito de se ver. Eu a reconheci imediatamente.

“Espere aqui,” eu disse com uma ideia queimando na minha mente junto à dor de cabeça.

Eu abri a porta levemente e olhei para os dois lados. Um pico de adrenalina surgiu e eu corri para o outro lado do hall. Peguei uma bandeja de comida e corri de volta para o quarto. Ouvi um grito de raiva, mas não consegui dizer se alguém havia me visto.

“Coma isto.” Eu disse a ela.

Ela se esquivou. “Não!”

“Apenas tente.” Eu sussurrei, implorando. “Vai nos ajudar, eu prometo”

Tremendo, ela pegou um pouco de gelatina. Pouco depois ela derrubou o potinho, ao mesmo tempo que produzia um som de nojo. Ele caiu próximo da luz e eu pude ver pedacinhos escurecidos dentro dele.

“De novo”. Eu disse.

Ela pegou uma maçã, deu uma mordida e depois a largou, à beira de lagrimas. Eu levantei a maçã mordida na luz – tinha algo parecido com um tendão rompido saindo de dentro da maçã.

“De novo”. Eu pedi.

Chorando, ela mordeu e imediatamente cuspiu um pedaço de sanduíche.

Eu levantei o pão. “Sim!” Peguei nosso achado, tirei os tecidos externos e o parti no meio.

Ela ria e chorava ao mesmo tempo.

Na fraca luz vermelha eu mostrei dois fragmentos de ossos, mais ou menos do tamanho de um dedo. Ambos cicatrizados de maneira estranha e, ainda, com um pouco de cartilagem e maionese.

Ela segurou no meu braço para não se perder no escuro e saímos novamente, enquanto gritos de dor e gritos de êxtase se misturavam num canto próximo.

“Vamos, vamos.” Eu sussurrei, colocando os dois fragmentos de osso dentro de uma tranca. Eu sabia que o prédio era velho e tinha uma estrutura péssima, estava contando que com essa tranca não fosse diferente e - Isso! Ela se abriu.

Uma estranha presença me agarrou por trás. Ela gritou e correu para a porta, agora aberta, enquanto eu empurrava para longe um homem de olhar fulminante. Ele me segurou e rolamos pelo chão. Ele tinha uma arma; pensei que estaria morto em poucos segundos. Até que a luz vermelha iluminou meu próprio olhar. De certo, aquela uma semana sem dormir direito e minha dor de cabeça explosiva contribuíram para minha aparência decrépita.

“Oh!” Ele ofegou, abrindo um sorriso. “Pensei que você fosse um deles. Vamos lá, vamos sair daqui, irmão.”

Surpreso, me levantei em direção a porta, mas uma figura bloqueou o caminho e fechou a porta.

“O que diabos você está fazendo?” O diretor médico disse com autoridade.

Eu olhei a minha volta, para os corredores limpos, vazios, iluminados por fortes luzes brancas. Mabel mexia em alguns papeis no balcão da enfermaria. Que a poucos minutos atrás, estava vazia, iluminada por oscilantes luzes vermelhas, rodeada de silhuetas estranhas, se arrastando de um lado para outro...

“Encenando a história de uma paciente.” Menti rapidamente. “Aquela garota cega que escreve, ela escreveu algo sobre uma tentativa de fuga. Estava vendo se seria possível. Parece que, essa porta realmente está com defeito. Palpite de sorte, não?”

Ele me fitou por um tempo com um olhar duro e ilegível. “Não posso culpa-lo por isso, acho, mas você está parecendo um idiota.” Ele olhou para baixo, do lado da porta. “Ligarei para a manutenção, mudarei a fechadura. Está indo bem... Tire o dia de folga, você parece um lixo.”

Eu fiz que sim com a cabeça e forcei um sorriso a medida que ele se afastava. Eu o vi falar com a Mabel e, depois, seguir pelo corredor. Estranhamente, eu ainda podia ouvir gritos distantes pelos corredores; sendo silenciados um a um, como se aquela ilusão surreal estivesse sumindo aos poucos da minha mente...

O que diabos havia acontecido?

Estava tão exausto que estava sonhando acordado? Ou alguém, com medo do meu progresso, trocou meus analgésicos?

Ainda chocado, caminhei de volta para a sala de descanso, para encontrar meu jaleco no chão e meu laptop intacto. Eu estava perdendo a cabeça? Acabei notando que agora eu mesmo me encaixava no padrão dos outros pacientes... Não tão perdido quanto eles, mas, definitivamente, chegando lá. Eu sentia que algo terrível realmente estava acontecendo, ou será que todos eles tiveram esse mesmo pressentimento?

Não é pouco irônico que o quinto relato seja o meu.

Eu tenho uma vantagem, na verdade. Eu conheço o padrão, tenho todos seus relatos para me ajudar. Se a hora chegar, aquele pequeno e último passo em direção a insanidade, todos cruzaram a linha..., mas eu não. Eu me prometo isso. Não dá pra ter uma visão objetiva e ficar louco ao mesmo tempo – é nisso que vou acreditar. Os dois são mutuamente excludentes.

Mas não vou parar. Não agora. Esta última história, a que foi interrompida quando comecei a alucinar, a qual ainda não fui capaz de processar completamente... é perturbadora. Ela se encaixa. Preciso pensar sobre isso. Acho que estou quase compreendendo a dinâmica por trás do padrão..., mesmo sem ter certeza se eu realmente quero saber. 

Eu dei uma pausa para limpar a mente. A medida que caminhava pelos corredores, me aprofundando nas minha memorias – aparentemente – falhas, a procura de qualquer pista sobre o que realmente aconteceu durante meu “episódio”, duas coisas me ocorreram.

Minha dor de cabeça havia sumido... e a garota magrinha também...

[Próximo capítulo: A Verdade]

Tradução Livre Por: Alicia 

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