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(Fonte da Imagem: Google Imagens)

[Tenha a certeza de ter lido o capítulo anterior "A Fuga", antes de ler este capítulo]
[Capítulo inicial]

Há um certo encantamento na perseguição; um prazer no jogo em si. Ganhe ou perca, você está jogando; fazendo ataque e contra-ataque, cheio de energia e força. Junto a isso, existe um senso de prioridade diferente de qualquer outra coisa. O jogo é o jogo... mas agora que acabou, devo admitir, sinto falta dele. No entanto... saber da terrível verdade - tê-la, possuí-la, guardá-la como um pequeno tesouro… A verdade quase substitui aquele sentimento. 

Eu venci. 

Senti que faltava pouco para a minha vitória quando ‘acordei’ do meu delírio com os pacientes escapando. Percebi que eu tinha mais que algumas cartas na manga. Meu oponente desconhecido cometeu um erro em algum momento e me permitiu uma vantagem grande demais.

Primeiramente, a garota que eu ajudei a escapar durante meu delírio não estava em lugar nenhum. Seu quarto estava vazio e sua ficha foi apagada. Nenhum outro membro da equipe se lembrava dela e eu... acreditei em alguns deles. Uma enfermeira que já estava ali a tanto tempo como a Mabel não poderia fazer parte de uma conspiração tão obscura e extensa. Sua maior preocupação era com o próximo episódio da novela. 

Mas eu escrevi tudo e eu lembro. 

Memórias são traiçoeiras - falo por experiência - mas as palavras ainda estão aqui. Além disso, eu olhei os arquivos dos pacientes um por um, procurando por discrepâncias. Eu poderia ter ajudado a garota a escapar enquanto tinha um episódio, mas isso não provava nada. Durante o delírio eu vi um paciente mutilar outro, seu pulmão até caiu perto do meu sapato. E o assassinado estava sumido também. Nesse ponto, eu já tinha algumas opções lógicas a considerar sobre meu oponente. 

Uma hipótese forte, porém imperfeita. Na qual, em algum lugar no meio deste labirinto de proprietários, financiadores e acionistas, alguma corporação nefasta tem um planejamento envolvendo os pacientes e suas diversas insanidades. O mais provável é que eles queiram incubar e refinar ameaças meméticas, ideias cuidadosamente construídas para infectar qualquer um quer as escute, cuidadosamente construídas para se espalhar e destruir. Esse seria um novo tipo de arma que, talvez, mudaria para sempre o que entendemos como guerra. O principal representante deles seria o diretor médico. E muito da minha paranoia, dos delírios e das inconsistências pode ser explicado se meus analgésicos tiverem sido adulterados, o que deveria me desestabilizar e me difamar no caso de eu descobrir o planejamento. 

O maior problema com esta teoria é que a equipe não se lembra de nada. Talvez alguns estivessem mentindo, talvez a Mabel raramente interagisse com a garota, talvez alguns simplesmente não se importassem o suficiente para lembrar de cada paciente..., mas eles? Algo estava errado. 

Enquanto uma chuva estranhamente forte provocava um ritmo constante nas janelas do prédio, eu observei os corredores, tentando captar cada detalhe. Perguntei para os pacientes mais receptivos se eles lembravam da garota e eles disseram que sim. 

As únicas pessoas que se lembravam dela eram os pacientes e eu. Aquilo me chamou a atenção, parecia ser um detalhe mais importante do que parecia. 

Não, a versão da corporação não fazia sentido. 

O barulho crescente do trovão se misturava à minha tensão. Haviam outras explicações. Eu mesmo poderia ser um paciente, meus indícios não haviam sumido. Claire estava trabalhando aqui e eu suspeito que o diretor médico sabia que ela era desequilibrada, mas que seu desequilíbrio, em particular, era inofensivo... para quase todo mundo. 

Minha mão enfaixada começou a coçar em algum momento naquela manhã, o que apenas acrescentou uma raiva crescente à construção das minhas estratégias. Eu me pegava, frequentemente, divagando sobre a natureza da memória e da insanidade. Eu não tinha nada que me provasse que eu mesmo não era algum tipo de paciente empregado por este lugar, com uma ilusão de uma vida normal além dos muros dessa instituição. Realmente parecia que faziam anos que eu não via o sol, mas a tempestade lá fora tornou até mesmo esse luxo impossível. Todas as minhas memórias não tinham nenhuma outra base além da veracidade que eu atribuía a elas. 

Eu me perguntei se realmente importava... me perguntei onde essa lógica iria levar... Me levaria pro começo, para as condições que criaram essa situação. Alguém como a Claire, alguém como eu - possivelmente - empregado para cuidar dos outros pacientes... isso significa uma ausência de financiamento muito grande. Tão grande a ponto de limites morais e éticos necessitarem de uma expansão ou, simplesmente, de uma exclusão. Isso significaria um mundo transbordando de pessoas, um mundo lutando por recursos…, uma realidade sombria e dolorosa para a raça humana. Essa seria uma situação sem inimigo e, portanto, sem vitória. A medida que a população crescesse, a humanidade sofreria cada vez mais e mais, e apenas um grande desastre ou a quebra de morais poderiam oferecer alguma salvação. Fortalecendo essa teoria teria a história de cada paciente. As pressões e brutalidades da sociedade os colocaram nesse caminho. Talvez a própria sociedade seja insana e estas pobres pessoas são apenas vítimas dessa disfunção social. 

O palpite parecia certo, mas a premissa de eu ser louco precisava que a sociedade estivesse ruindo, e ao invertermos as ideias, a existência de uma sociedade em ruínas não necessariamente significava que eu estou louco. Essa linha de pensamento tem consumido minha investigação. Me foi dada uma terceira opção pelo último paciente que entrevistei. Um conto de enganação e controle que me perturbou profundamente. Eu fui interrompido ao redigi-lo, mas quanto mais eu penso nisso... mais as peças parecem se encaixar. A chuva começou a ficar mais forte, isso me lembrou de algo... e então a ficha caiu. Eu já havia lido aquela história antes. Eu li na internet. 

O arquivo dele não estava em lugar nenhum… Alguém poderia ter lido e postado? Ou talvez ele mesmo o tenha feito antes de ser internado aqui? Estes pequenos detalhes não importavam, então decidi não me aprofundar neles. Comecei a desenvolver uma perspectiva mais... expansiva da realidade. 

Hipoteticamente, se o bonewalker fosse real, ele estava lutando contra uma força maior em grande escala. Essa força seria meu oponente agora? Qual era o interesse dela em mim, nesse prédio e nos pacientes? Eu não vi absolutamente nenhum indício de alguma força externa. 

Lembro de ter ficado paralisado nessa hora. 

Eu parei no corredor, ao lado de uma janela que produzia sombras no chão com o padrão dos respingos de chuva, sabendo que eu havia encaixado a primeira peça do quebra-cabeça. As evidências eram falsas! Me fizeram analisar todas a possibilidades, menos a certa. Incapaz de compreender completamente essa ideia enorme que se formava na minha cabeça, eu fui até o quarto da garota cega. 

A encontrei sentada num canto diferente do quarto, mas continuava escrevendo. Quando entrei no quarto senti um comichão na mão enfaixada e minha dor de cabeça voltou. 

“Por que você não fala comigo?” perguntei a ela. “Antes pensei que fosse porque eu sou louco como eles e não sabia…, mas agora eu acho que você sabe muito bem o que está acontecendo...Você está se protegendo”. 

Inabalada, ela parou a caneta. “Como você está fazendo essa pergunta?” 

“Como assim? Eu não deveria conseguir fazer perguntas?” 

“Não pergunta…” 

Eu me ajoelhei, me aproximando dela. “Por quê?” 

Ela se voltou para mim com seu olhar cego. 

“Você não fala com ninguém que…” De repente me senti inquieto. Levei a ponta dos meus dedos às minhas têmporas. Gentilmente sentindo a pele ao redor dos meus olhos procurando por algum tipo de anormalidade…

A sensação era perturbadora. Em meio a minha mão queimando e a dor de cabeça cada vez mais aguda, eu senti dois resultados conflituosos. 

Minhas têmporas eram suaves. A pele lisa e normal. 

Minhas têmporas apresentavam duas linhas estranhas, simultaneamente protuberantes e sutis, como uma veia fora do lugar. 

“O que diabos é isto?” Eu disse me estremecendo por completo com uma explosão de dor na cabeça. “Está ali…, mas não está ali…” 

“Me desculpe…” ela sussurrou. 

“O que é isto? O que diabos é isto?” Eu tentei arrancar, mas acabei apenas fazendo meu rosto se contorcer com a dor contínua e crescente, parecia que chegaria num pico que me faria desmaiar. Eu lutei pra respirar. Pequenos borrões e pontos brilhantes impediam minha visão. “Quantos? Quantos têm... isso?” 

Seu lábio tremeu. “...Todos... exceto os outros pacientes…” 

Tomado pela adrenalina eu saí correndo do quarto, direto para a sala de cirurgia da emergência. Eu empurrei a porta com força, quase caindo no chão de tanta dor, e peguei rapidamente o material cirúrgico. 

Olhando um espelho, lutando contra a dor excruciante e a visão turva, eu pude vê-las. Seu contorno era claro e visível, saindo dos meus olhos, através das minhas têmporas e dando a volta por trás da minha cabeça como uma marca de lobotomia. Perfurei minha têmpora com o bisturi. Sangue escorreu, mas eu o ignorei. Abri o corte cuidadosamente com uma pinça. Minha visão era formada por flashes intercalados de branco, preto e do espelho. Eu não cedi. Puxei o tecido estranho debaixo da pele...gritei em agonia, mas me recusei a desmaiar… Devagar, dolorosamente devagar, eu tirei o tecido fibroso. 

Pendurado na minha têmpora ensanguentada, preso na pinça, eu sabia que era isso. Isso era parte dele, na verdade. Eu considerei o impossível... e estava certo. A dor diminui cada vez mais a medida que eu retirava o tecido fibroso grudado na minha pele. Ainda tinha um pouco dentro, perto dos meus olhos, e toda a fibra do outro lado da minha cabeça…, mas isso era um começo. Observando com mais cuidado, tentei entender o que era aquilo. Parecia um tecido nervoso - uma espécie de teia de filamentos fibrosos... foi assim que a garota cega os descreveu quando foi internada. Ela disse que não iria falar com ninguém que tivesse fibras nervosas nas têmporas… 

...Mas ela já está aqui há anos. 

Eu repeti o mesmo procedimento do outro lado. Ainda sentia alguma dor de cabeça, mas me senti aliviado, me senti vingado. O que era isso? Eu estava livre? E o que diabos eram essas fibras nervosas? Algum tipo de infecção ou parasita? Essas fibras não poderiam ter me controlado sozinhas, me enganado… simplesmente não tinha tecido suficiente para uma interação tão complexa com o cérebro. 

Na verdade, as fibras parecia ser de um nervo óptico. Era tecido sensorial, feito para... enganar os sentidos? Isso fazia sentido até demais. Conectado aos meus olhos e ouvidos... e provavelmente meu cérebro, diretamente pelo nervo óptico... essas fibras poderiam confundir completamente meus sentidos, talvez, até mesmo minhas memórias. 

Ela disse que eu não deveria ser capaz de fazer essa pergunta... quanto controle essas fibras normalmente tem sobre o cérebro? E por quê, agora, eu consigo vê-las e até mesmo removê-las? Serei sincero, eu queria muito deitar no chão e chorar, tanto pela minha súbita liberdade, como por causa da completa ilusão que eu vivi por tanto tempo. Eu provavelmente teria feito isso se não tivesse me ocorrido o terrível pensamento de que talvez essas fibras recebam sinais ou controles de algum outro lugar. 

O inimigo… 

Depois de limpar meu sangue, eu dei uma pequena volta pelos corredores. Mabel sorriu pra mim e seguiu seu caminho - uma pequena linha protuberante era evidente na lateral de sua cabeça. Ela estava infectada. Continuei andando, olhando. Todos eles estavam. 

Voltei para a segurança da sala de cirurgia enquanto a dor de cabeça aumentava de novo. Me olhei no espelho, horrorizado. Eu conseguia literalmente ver a pele das minhas têmporas subindo, à medida que as fibras nervosas começaram a se regenerar. Eu me lembro claramente de ter rido muito alto. Uma risada animada, cheia e sombria. Isso era demais. Me infectava e crescia de novo se eu tentava tirar, o que mais eu deveria fazer? 

Minha risada se dissipou quando meu conhecimento médico me apresentou uma solução. Desinfetei as mãos e as luvas e me preparei para algo que parecia insano, e eu havia me prometido que jamais cruzaria essa linha. Ha ha ha, como fui tolo. Preparei, então, mais alguns espelhos. Eu não tomei nenhum analgésico, não podia arriscar diminuir mais ainda minhas habilidades cirúrgicas amadoras. 

Com a respiração pesada, sentindo uma adrenalina crescente, eu encaixei o separador ocular nas linhas d'água... e deixei ele aberto. Meu olho deslizou muito mais facilmente do que eu esperava. Uns 5cm, apenas o suficiente para manter o nervo óptico sob tensão. Eu estava petrificado com o desconforto, com a dor, eram algo inimaginável. Eu segurei o bisturi e cortei cuidadosamente todas as fibras estranhas. Cinco respirações… dez… vinte… Eu me segurei o máximo que consegui. Cortei cada uma das conexões desde a base. Meu instinto animal rugia incessantemente - eu estava vendo meu próprio olho fora do lugar, via todos as veias e os nervos que conectados nele - mas eu lutei contra o pânico. Removi o resto das fibras nervosas pela lateral da minha órbita ocular - elas se soltaram facilmente nessa direção... e então, eu terminei. Cuidadosamente peguei meu globo ocular com minha mão enluvada e coloquei-o no lugar. 

Levei uns cinco minutos para me acalmar e testar meu olho. Depois fiz o mesmo procedimento no outro olho. Quando terminei notei que minha dor de cabeça havia sumido. As fibras nervosas não se regeneraram. Consegui tirar tudo. Fiquei naquele quarto por mais uma hora, aproveitando minha liberdade, pensando, respirando, me acalmando. 

De onde vieram aquelas fibras? Indubitavelmente havia uma inclinação, uma atitude, uma vontade, um desejo por trás de toda essa mentira. Quem era? O que era? A mentira não teria dado certo com os escravos do bonewalker. Eles não sabiam o motivo pelo qual eles tinham que fazer aquelas coisas, eles só estavam seguindo ordens. E os pacientes não tinham essas fibras... por quê? 

Me caiu a ficha que a razão poderia ser a mais óbvia: contenção. As pessoas eram perigosas e suas insanidades mais ainda. Talvez todas essas explicações tenham algo em comum: o mundo é obscuro e sinistro, a população crescendo num ritmo exorbitante - como disse meu mentor - desenvolvendo insanidades cada vez mais perigosas e virulentas… Talvez essa outra força tenha infectado as pessoas com as fibras nervosas por algum motivo. O próximo passo era óbvio. Eu não iria querer minhas fibras nervosas conectadas a um cérebro cheio de mentiras e ideias virulentas. Eu não iria querer essas ideias se espalhando pela minha rede de escravos controlados por fibras... infectando, destruindo, acabando com todos eles... e, possivelmente, libertando-os. 

Eu estava perdendo a cabeça. Eu sabia. Os analgésicos, a exaustão, a obsessão... Eu deixei as ilusões dos outros pacientes me atingirem. Comecei a vê-las cada vez mais ligadas a realidade e agora, ali estava eu, livre. Era por isso que agora eu consigo ver as fibras, porque elas apertavam meu crânio, porque elas resistiram durante cada etapa. Era irônico na verdade... O médico virando paciente, cultivando uma loucura, fazendo dela sua realidade…, mas minhas histórias estão na internet. A história dele, do paciente que perfurou os próprios olhos, também está na internet. Como o Inimigo poderia ter permitido que isso acontecesse? Que se espalhasse? Seria o mesmo conceito que mantinha os pacientes confinados e sem controle? Seria a ideia em si uma anátema à sua rede de controle? Não tinha como identificar as ideias, observá-las, sem compreendê-las e se tornar infectado. 

Eu ri muito, sozinho naquele quarto, a medida que as coisas foram se encaixando. Não há defesa contra uma ideia. 

Eu andei pelos corredores como se fosse um novo homem. Eu estava livre e não havia nada que o Inimigo pudesse fazer. Ele não podia mais me observar, não podia mais pensar em mim. Eu não existia mais pra ele, porque para reconhecer minha existência ele precisaria pensar em mim, e então me compreender, e então... se infectar. 

Depois percebi que as próprias fibras nervosas acabariam sumindo sozinhas em algum momento, pelo menos se eu tivesse me permitido cruzar a linha e enlouquecer de vez. 

“O que você fez?!” o diretor médico gritou, me vendo no final do corredor. 

Eu ouvi ele gritando pelas enfermeiras, mas o trovão se sobrepôs ao seu primeiro chamado. 

Eu corri. 

Consertaram a porta lateral - droga! Usei minhas chaves, sai destrancando todas as portas que passei, soltando todos os pacientes como uma distração. Escutei as enfermeiras gritando e se organizando em algum lugar perto. Tive uma ideia quando passei pela sala de manutenção. Foi mais fácil do que eu esperava. Mexi nos painéis de energia e criei um curto circuito, fazendo todas as luzes se apagarem. Eu voltei para o corredor, me sentindo estranhamente acolhido pela escuridão e pelas luzes vermelhas. Os únicos sons eram da chuva no telhado e um trovão intervalado. Estranho... eu imaginei isso... ou não imaginei isso... na noite anterior... não, dessa vez era a chuva... Peguei meu laptop no descanso médico, joguei minha mochila sobre o ombro e descartei meu jaleco. Fui até a máquina automática e enfiei na mochila o máximo de salgadinhos que pude, me prometendo, um dia, pagar pelo que peguei e pelo vidro quebrado. 

Gritos e grunhidos preenchiam a escuridão. Consegui escutar os membros da equipe gritando, tentando achar uns aos outros; ouvi os pacientes cochichando e alguém gritando de dor. Eu sorri enquanto entrava mais na escuridão. A confusão estava funcionando perfeitamente. Um trovão balançou o prédio quando me aproximei da porta principal. Enquanto as enfermeiras continham os pacientes - eu estaria livre. 

“Espere!” ele gritou, quando pus minha mão contra a porta. 

Eu podia ouvir a chuva caindo do lado de fora. 

“Não faça isso!” era meu mentor. “Eu segui seus passos como pude”, ele explicou preocupado. “Aquele paciente, no final da ala mais distante, nós o mantemos ali por um motivo. Lembra do que eu te disse?” 

Eu o encarei, pronto para empurrar a porta, mas disposto a escutá-lo. 

“A psicose dele, ela infectou você!” ele gritou sobre os berros do fim do corredor. “E eu sei que você acredita que insanidade é uma escolha. Escolha ficar, continuar aqui, fazendo parte da equipe e da vida real!” eu me virei, pronto para sair. 

“O que o outro lado dessa porta tem pra você?” ele falou alto. “O que você vai fazer? Correr? Se esconder? Fazer o que bem entender seja lá por que motivos?” 

Seus argumentos e sua compaixão faziam sentido... muito sentido. Eu hesitei. Eu estava tão louco assim? E se eu aceitasse essa realidade? Se eu não me importasse em ser enganado ou não, a vida era... boa o suficiente, certo? Esse era o momento. Eu senti. Do outro lado da porta eu seria louco de fato, pelo menos em comparação a realidade que a sociedade tomava como verdadeira - aqui, eu era um deles, um membro da equipe, aceito, normal… Fazia sentido demais. Era perfeito demais. 

“Você!” quando percebi, praticamente gritei. 

Sob a luz vermelha, ele balançou a cabeça confuso… Eu não esperava que o Inimigo se revelasse só porque eu percebi que ele estava falando através do meu mentor. Não, sua reação era perfeita, falsamente real. O trovão urrou e eu me joguei na chuva, correndo como se não houvesse amanhã. A vida seria um pouco mais difícil a partir de agora, eu tinha certeza. Estou alheio às construções do que a sociedade chama de real…, mas ele não consegue mais me ver, não consegue mais pensar em mim, sem se arriscar. Estou livre para me mover, indetectado, ignorado. Acho que vou mudar meu nome, arranjar um emprego, criar uma fachada de normalidade e operar por trás de uma máscara. Ele precisa me ignorar, então as únicas pessoas que eu tenho que enganar agora são os outros humanos. 

Não consigo parar minhas idéias, sei que vou acabar espalhando-as como um vírus. Estamos todos sendo enganados, cada um de nós. 

Eu vi a verdadeira natureza do mundo quando a chuva parou. Vi o que realmente aconteceu conosco. Eu estava numa colina, fora da cidade, quando as nuvens sumiram e o sol abençoado finalmente me deu meu tão desejado alívio. Eu vi alguns sinais da verdade, enquanto corria na chuva, mas a água e a escuridão obscureceram suas dimensões. Eu parei e observei a cidade. Haviam tumores por todo lado: entre os prédios e postes, entre as árvores; várias redes de fibras grossas. Quase tudo estava infestado com esses “cipós”. 

Tive um flash de compreensão. Essas coisas, essa infestação, provavelmente se estendiam por todo o mundo. Nervos, cérebros, neurônios, conectados, enganados... uma rede quase como a internet. A entidade pode ter começado apenas como uma ideia, um meme ou uma mutação em algum momento, e se espalhou a partir dali. Agora é um parasita gigante em cima da humanidade. Eu conseguia sentir as sequelas agora que eu estava livre e entendia o que ele quer. 

Mais. 

Ele quer mais pessoas, mais cérebros, mais consumo. Ele ama cafeína. Ama estimulantes de todo tipo, mas principalmente cafeína. Ele quer que você beba mais. Ele quer que você coma mais. Quer que você consuma e reproduza à medida que ele guia a sociedade em direção a um objetivo sinistro e desconhecido... à medida que ele pressiona e cria. As necessidade humanas levadas ao extremo, capaz de destruir um grupo de pessoas como um besouro sob um sapato. Seja a imagem pessoal, ou o desespero das pessoas mais pobres ou que estão nas ruas, ou a escravização por dívidas, ou a necessidade de afeto, ou - como no meu caso - o desejo de acreditar que sofrimento não é o estado natural da vida. 

Seja pelo estresse ou pela fraqueza, ele vai nos destroçar numa quantidade cada vez maior e vai nos fazer extrapolar todos os limites, pois isso é a sociedade, e isso somos nós, e nós somos todos descartáveis. Mas hoje é o primeiro dia da Resistência. Agora estou postando isso com o wifi grátis de uma cafeteria, sorrindo para as pessoas que passam. O Inimigo não pode me ver e todo mundo está imerso em sua própria luta contra as crescentes pressões da sociedade; estão todos estressados demais pra notar alguém como eu, alguém louco se comparado a realidade social, está entre eles. 

Depois desse post eu vou desaparecer. Mas não se preocupem. Este é o trabalho da minha vida agora. Peguei meu bisturi e meus materiais. 

Eu vou encontrar vocês e vou libertar todos - um par de olhos de cada vez.

***


Este foi o capítulo final de Asylum. Agradecemos a leitura, deixem seus comentários sobre a série!


*** Créditos de Tradução ***

Agradecemos a gentileza de nossa colaboradora Alícia por realizar esta excelente tradução, mesmo com faculdade e compromissos pessoais, conseguiu um tempo para contribuir conosco e ajudar na nossa causa. 

Alícia, agradecemos a ti de coração!

Alan e Camila Cruz. 
***

Tradução Livre Por: Alicia 

7 comentários:

  1. série meio confusa mas muito boa
    adorei a narrativa da mesma e achei muito boa a tradução também
    blog de qualidade ^^

    ResponderExcluir
  2. Ótima tradução, fiquei realmente muito satisfeito com toda a série. Obg por ter trazido essa obra prima para nós.

    ResponderExcluir
  3. Meu deus,e cada traducao maravilhosa que voce e os outros trazem nesse site

    Eu tenho umas perguntas
    Oq aconteceu com os pacientes e os "cipos" eram literalmente cipos pelo mundo?

    ResponderExcluir

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